segunda-feira, 21 de março de 2011

OS JAPONESES NUNCA SERÃO OS MESMOS

ZERO HORA (RS) • MUNDO • 21/3/2011 • PASTA ENERGIA

Sonia Luyten pesquisadora, autora do livro Cultura Pop Japonesa

Se o tango desvenda a alma argentina, o cinema traça o modo americano de viver e o futebol traduz a ginga brasileira, os mangás, as histórias em quadrinhos japonesas, têm sido fonte de interpretação da cultura nipônica. E uma brasileira, a professora e jornalista Sonia Bibe Luyten, é especialista no assunto. Doutora em Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), Sonia foi professora de diversas universidades – incluindo a própria USP e as japoneses de Osaka, Tóquio e Tsukuba. É de sua autoria o livro Cultura Pop Japonesa (Editora Hedra, 143 páginas). Confira o que ela disse para ZH, em entrevista por telefone na última sexta-feira, sobre reflexos da tragédia provocada pelo devastador terremoto que atingiu o Japão na mentalidade dos japoneses:
Zero Hora – Como esse drama pode afetar o orgulho nacional, uma vez que o japonês é apegado a seus símbolos pátrios e a sua fama de eficiência?
Sonia Luyten – O japonês tem o espírito de refazer o que foi destruído. A humilhação da derrota na II Guerra Mundial foi transformada em reconstrução. Essa tragédia vai canalizar o orgulho nacional para uma força tarefa.
ZH – Como será a reação japonesa?
Sonia – Vão reagir como sempre: reconstruindo. Os japoneses têm uma ética de alternativas, e isso sempre os ajudou nas catástrofes. Temos os exemplos da II Guerra Mundial e a própria cidade de Kobe, atingida pelo terremoto em 1995. Estive lá e vi o que foi feito a partir de uma cidade destruída. Na minha área de pesquisas, de mangás e animês, vemos inúmeras histórias sobre destruição e hecatombe. O povo convive com isso, e, na ficção, aparece como está marcado no inconsciente coletivo japonês.
ZH – Há riscos de o governo ser responsabilizado pela questão nuclear?
Sonia – A população se beneficia dessa energia nuclear. Mas o governo pode ser responsabilizado pela insegurança de suas usinas, a maioria delas construídas na década de 70.
ZH – As pessoas comentam muito o comportamento ordeiro japonês. Não há registros de saques. Como isso funciona?
Sonia – A noção do roubo, do saque, vem da educação. Há a noção do “coletivo” muito mais desenvolvida do que no Ocidente. O individual quase se apaga em prol do coletivo. Isso tem seus prós e contras. As pessoas não estão acostumadas a mostrar o seu “eu”. Tem um provérbio no Japão que diz que as pessoas são como pregos num tabuleiro. Se algum se levantar, o martelo da sociedade se encarrega de abaixar.
ZH – E o futuro do Japão?
Sonia – Uma devastação como essa tem dois lados: um é a tragédia humana. O outro é o aquecimento da economia. Será preciso reconstruir tudo. Moralmente, os japoneses, os indivíduos, não serão os mesmos. A tragédia de perder parentes, amigos, animais, plantações e, ainda, o perigo da radiação, colocarão uma marca que não se apagará nunca. Está-se mostrando na mídia o japonês muito ordeiro, disciplinado, contido, esperando horas nas filas. Mas isso não quer dizer que as pessoas não estão sentindo dor, raiva. Entre os japoneses, nem sempre essas emoções são transmitidas por palavras. Existe uma comunicação não verbal – o haraguei – que expressa isso sem uma só palavra.
LÉO GERCHMANN

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